OPINIÃO: As principais falhas do ensino jurídico no Brasil

As Principais Falhas do Ensino Jurídico no Brasil - Bernadete Alves

A graduação em Direito é a mais procurada em nosso país, superando todas as demais no que diz respeito ao número de estudantes. São tantos universitários que o Brasil possui mais faculdades de Direito do que a China, os Estados Unidos e a Europa juntos. Diante desse contexto, não é difícil imaginar os desafios para o desenvolvimento de uma educação de qualidade.

O que se verifica na prática forense é uma imensa quantidade de graduados que não conseguem inserção no mercado de trabalho. Já os que conquistam algum espaço no concorrido ambiente profissional, sofrem com a formação falha e com a falta de perspectiva na carreira.

Isso ocorre, entre outros motivos, pelo fato de as faculdades de Direito não estarem cumprindo o seu papel de formação dos estudantes, colocando no mercado profissionais sem as capacidades técnicas e comportamentais necessárias para alcançar o sucesso nas concorridas carreiras jurídicas.

Com o objetivo de lançar luz sobre a problemática, se passa a tratar sobre os principais defeitos verificados no ensino jurídico brasileiro.

 

Teoria dissociada da prática

A maioria dos estudantes ingressam no curso de Direito com a pretensão de se tornar advogado, promotor de justiça, defensor público, magistrado e delegado de polícia, entre outras carreiras intimamente ligadas à prática forense.

No entanto, o ensino jurídico ainda se faz de maneira majoritariamente teórica, o que reduz o engajamento dos estudantes e, consequentemente, o aprendizado. O resultado é trágico: os alunos aprendem pouco da teoria e quase nada da prática.

Em muitas faculdades pelo país, a prática só se inicia, efetivamente, nos últimos semestres da graduação. É nesse momento que os alunos começam a elaborar petições e realizar atendimentos comunitários, o que ocorre basicamente por conta da necessidade de prepará-los para o exame de ordem.

A prática – ao contrário do que é feito – deve ser ensinada em conjunto com a teoria desde o início da faculdade, pois complementares e dependentes uma da outra. A falta dessa metodologia de ensino está intimamente relacionada com os demais problemas que se passa a tratar.

 

Aula expositiva e sem o protagonismo dos alunos

As Principais Falhas do Ensino Jurídico no Brasil - Bernadete Alves

É inadmissível que a docência no século XXI seja realizada do mesmo modo que se faz há muitos séculos. Para piorar, as faculdades de Direito educam adultos com a mesma metodologia que as escolas primárias ensinam as crianças. Aulas expositivas e com foco no professor não são adequadas para a formação de futuros operadores do Direito.

A maioria das salas de aula de graduação possui o mesmo formato das salas de ensino fundamental. Os alunos sentam em fileiras, cada um em suas cadeiras, e assistem aulas expositivas ministradas com auxílio de quadro e/ou PowerPoint. As avaliações também seguem os mesmos moldes do ensino infantil: provas realizadas com papel e caneta (objetivas ou discursivas) somadas a eventuais trabalhos escolares (apresentados para a turma e/ou entregues por escrito).

Com a máxima vênia, é inadmissível que os graduandos recebam uma formação tão equivocada no que diz respeito às metodologias de ensino. Futuros advogados, juízes, promotores, delegados, etc, precisam de um preparo que envolva olhar nos olhos dos colegas (e não para as nucas), exercer o protagonismo, dialogar tanto quanto ouvir, utilizar a palavra escrita e falada em suas diferentes formas.

O aluno não pode ser o sujeito passivo de sua própria formação acadêmica e profissional. Ao contrário, deve ter a oportunidade de ser o protagonista de sua educação. Sem isso, sairá da graduação sem o preparo necessário para enfrentar os desafios do mercado de trabalho.

Sem uma mudança radical na forma como se ensina o Direito nas faculdades, não será possível alcançar a devida formação dos estudantes. Isso depende de uma necessária mudança nas instituições de ensino superior, nos professores e nos próprios alunos, para que juntos façamos uma transformação no ensino jurídico brasileiro.

 

Falta de atenção ao desenvolvimento de habilidades

As carreiras jurídicas exigem dos seus profissionais uma série de capacidades especiais que vão muito além do simples conhecimento jurídico. Estamos a falar de aptidões essenciais ao trabalho e que diferenciam os grandes profissionais dos medíocres.

Várias são as habilidades que serão exigidas dos operadores do direito. Entre elas, podemos destacar capacidades como oratória, retórica, escrita, negociação, vendas, convencimento, resolução de conflitos, liderança, análise crítica, planejamento estratégico, gestão, intuição e inteligência emocional.

Infelizmente, as faculdades de direito estão tão focadas em transmitir conteúdo aos alunos que são omissas na importante missão de formar profissionais preparados ao mercado e cidadãos conscientes de suas responsabilidades.

 

Utilização de ferramentas obsoletas e pouco usuais na prática jurídica

As Principais Falhas do Ensino Jurídico no Brasil - Bernadete Alves

Os profissionais que exercem carreiras jurídicas utilizam em sua prática forense ferramentas variadas e frequentam ambientes bastante diversos daquilo que os alunos vivenciam em sala de aula.

Mesas de reunião, troca de e-mails, peticionamento eletrônico, sustentações orais e salas de audiência fazem parte do cotidiano de advogados, defensores públicos, promotores, procuradores, delegados, magistrados, etc. Entretanto, o ensino jurídico segue se valendo das mesmas práticas (aula expositiva, trabalhos acadêmicos e provas) e ferramentas (papel, caneta, quadro e projeção de slides) utilizadas em salas de aula do ensino fundamental.

Assim como não é em sala de aula que se forma um jogador de futebol, não é com práticas e ferramentas obsoletas que se prepara profissionais para a carreira jurídica.

 

As faculdades não preparam os alunos para o mercado de trabalho

O estudante universitário busca, a partir da formação de nível superior, alcançar um espaço no mercado de trabalho. Estamos a falar do sonho de realização pessoal e profissional de todos os alunos minimamente comprometidos com o seu sucesso.

Ocorre que as faculdades não entregam justamente aquilo que os estudantes mais precisam: perspectiva de futuro. As instituições ficam tão focadas em apresentar conteúdo teórico que são omissas em seu dever de falar sobre a carreira dos graduandos.

Não é por menos que a maioria dos formados saem das faculdades sem saber qual caminho seguir e completamente despreparados para qualquer escolha que façam. Se escolhem a advocacia, descobrem que não reúnem as competências necessárias para atingir o êxito profissional. Se optam por uma carreira pública, percebem que sua formação é insuficiente para obter a aprovação em um certame.

É fundamental que as faculdades de Direito dediquem mais tempo para falar sobre mercado de trabalho. Os alunos precisam ser devidamente orientados sobre as diferentes carreiras jurídicas e preparados para enfrentar os desafios atinentes a cada uma delas. Futuros advogados demandarão uma preparação diferente daqueles que buscam uma carreira no serviço público, de modo que é imperioso que as faculdades possam oferecem conteúdos e metodologias adequadas a cada público.

 

Consequências e conclusão

A metodologia de ensino da grande maioria das faculdades de Direito do país compromete severamente a formação dos futuros graduados. Estamos a falar de profissionais que chegam ao mercado de trabalho sem ter desenvolvido as competências necessárias e que, desse modo, possuem pouca perspectiva de sucesso em suas carreiras.

É necessário e urgente que se faça uma transformação no ensino jurídico brasileiro, sob pena de comprometer, ainda mais, o futuro dos profissionais que sairão das faculdades de Direito em busca de oportunidades de trabalho. O prejuízo se torna ainda mais grave por afetar, consequentemente, a vida de milhões de brasileiros que, cedo ou tarde, dependerão desses profissionais na solução de imbróglios jurídicos diversos.

Instituições de ensino superior, a Ordem dos Advogados do Brasil e os professores de Direito devem atuar com protagonismo na busca por novos caminhos. Ainda assim, aos alunos compete a árdua missão de cobrar que sejam feitas as mudanças necessárias e, ainda, a busca autônoma do desenvolvimento das competências que as faculdades de Direito são incapazes de construir em seus alunos.

 

Por: Gilbert Di Angellis

Gilbert Di Angellis - Bernadete Alves
Gilbert Di Angellis, advogado membro da Comissão de Direito Empresarial e da Comissão de Empreendedorismo Jurídico da OAB/DF