Tragédia com garotos do Ninho do Urubu completa um ano e clama por Justiça

O incêndio no Centro de Treinamento do Flamengo, o clube mais rico do Brasil, completa 1 ano neste sábado (8.fev.2020). A tragédia, que destruiu parte dos alojamentos do Ninho do Urubu,no Rio de Janeiro, deixou 10 mortos e 3 feridos. Uma dor que clama por justiça. O caso segue sem esclarecimentos e famílias alegam falta de assistência por parte do Clube de Regatas do Flamengo.
A tragédia ocorreu durante a noite, no alojamento das categorias de base, que ficava em contêineres no próprio centro de treinamento. A maioria dos atletas conseguiu sair com vida, mas morreram naquele dia Athila Paixão, de 14 anos, Arthur Vinícius de Barros Silva Freitas, de 14 anos, Bernardo Pisetta, de 14 anos, Christian Esmério, de 15 anos, Gedson Santos, de 14 anos, Jorge Eduardo Santos, de 15 anos, Pablo Henrique da Silva, de 14 anos, Rykelmo de Souza Vianna, de 16 anos, Samuel Thomas Rosa, de 15 anos, e Vitor Isaías, de 15 anos.
No começo da manhã, um grupo de torcedores espalhou camisas do Flamengo com os nomes das vítimas em vários pontos do Rio de Janeiro. No treino de mais cedo no Ninho do Urubu, jogadores e comissão técnica rubro-negra se reuniram no gramado, formaram um grande círculo e prestaram um minuto de silêncio em homenagem aos 10 meninos que morreram no local.
Familiares das vítimas foram ao Ninho do Urubu prestar homenagens mais cedo. Os parentes de Christian e Jorge Eduardo, no entanto, foram barrados. Apenas família de Pablo Henrique, com autorização prévia, conseguiu entrar no CT.
Nos arredores do estádio Maracanã, o muro com o rosto dos dez garotos que morreram na tragédia, pintado esta semana, recebeu flores e frases de carinho aos jovens. Perto do local, foram estendidas também faixas pedindo justiça às famílias que ainda não conseguiram entrar em acordo com o clube por indenização.
Dentro do Maracanã, os três sobreviventes que ficaram se feriram no incêndio e precisaram ficar internados, Francisco Dyogo, Jhonata Ventura e Cauan Emanuel, foram convidados para subir no gramado antes da partida. Outros jovens que escaparam do incêndio também estiveram presentes no Maracanã. Cinco deles seguraram uma faixa com a frase “Pra sempre por vocês” antes da bola rolar.
Os jogadores do Flamengo entraram em campo com uma camisa branca escrita “Nossos 10”. Além disso, as camisas de jogo deles continham os nomes dos garotos mortos no incêndio. O jogo entre o Flamengo e o Madureira foi marcado por uma série de tributos às vítimas do incêndio do Ninho do Urubu.
O 8 de fevereiro de 2019 marcou tragicamente a história do Flamengo. O clube tinha o Certificado de Clube Formador mesmo sem apresentar todas as exigências legais básicas, uma vez que o local incendiado não contava com licença da prefeitura do Rio de Janeiro para funcionar, e o alvará foi negado devido a falta do Certificado de Aprovação do Corpo de Bombeiros. Por isso, 31 multas foram aplicadas ao clube por continuar as atividades do Ninho do Urubu.

O episódio chocou o mundo esportivo e expôs a fragilidade da Lei Pelé (nº 9.615, de 24 de março de 1998), no tocante à Certificação de Clube Formador (CCF) expedida pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Motivados pelo incidente, senadores e deputados federais apresentaram uma série de propostas para proteger os jovens jogadores, mas pouca coisa avançou efetivamente.
O ex-jogador Romário, ídolo e símbolo de uma geração vencedora do Brasil, o senador Romário (Podemos/RJ) protocolou, em fevereiro do ano passado, o Projeto de Lei nº 680, que altera a Lei Pelé. A medida exige que, para o clube ser certificado como formador, a agremiação deverá apresentar todos os alvarás necessários para funcionamento, expedidos pelo Corpo de Bombeiros Militar ou pela prefeitura municipal.
Quatro dias após a tragédia, a ex-jogadora de vôlei e senadora Leila Barros (PSB/DF) apresentou um Projeto de Lei que também altera a Lei Pelé. A proposta exige que, para o clube conseguir o certificado, a fiscalização também deverá ser feita pelo Conselho Tutelar e pelo Ministério Público do Trabalho, sem prejuízo da ação de outros órgãos e instituições fiscalizadoras.
“Aqueles jovens tinham um sonho. O mesmo sonho que eu tinha quando iniciei no desporto escolar, mas o deles foi interrompido, infelizmente, por falhas que poderiam ser identificadas com uma fiscalização eficiente. Na prática, queremos que esses erros sejam identificados antes que uma tragédia como aquela aconteça novamente. O Conselho Tutelar é o órgão encarregado de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, tem competência para fiscalizar o que está determinado na Lei Pelé. E o Ministério Público do Trabalho pode resguardar o direito de os jovens atletas poderem se dedicar sem correr riscos”, disse a senadora Leila Barros.
As vítimas que morreram na tragédia do Ninho do Urubu eram o futuro do futebol brasileiro. Talentosos no esporte, eles se destacaram a ponto de ingressar logo cedo na concorrida base do Flamengo. Em meio às promessas, um goleiro com nível de seleção brasileira, um capitão do time sub-15 rubro-negro, outro capitão do time sub-17 e um garoto que chegou ao novo clube há dois dias. No mar de meninos que tenta ser profissional no Brasil, os destinos desses se cruzaram duas vezes: a primeira, ao vestir a camisa do clube mais popular do país. A segunda foi quando não conseguiram escapar de um incêndio que atingiu o centro de treinamento Ninho do Urubu, em Vargem Grande, zona oeste do Rio de Janeiro.
Arthur Vinícius, natural de Volta Redonda tinha 15 anos. O zagueiro morava com a prima, a tia e a mãe na cidade natal, mas os familiares se preparavam para viajar ao Rio para comemorar o aniversário do garoto. Arthur começou nas categorias de base do Volta Redonda, chegou no Flamengo em 2017 e,depois esteve em um período de treinamentos com a seleção brasileira sub-15.
Athila Paixão, sergipano de Lagarto, foi revelado pela escolinha “Geração Futuro”, a mesma onde o atacante do Atlético de Madrid e seleção espanhola Diego Costa começou no futebol. O garoto de 14 anos era atacante e estava no Flamengo desde abril de 2018, quando foi aprovado nos testes. Na Copa Zico de 2018, competição criada pelo ex-jogador para revelar novos talentos, ele se destacou ao marcar três gols.
O goleiro Bernardo Pisetta, de 14 anos nasceu em Indaial, Santa Catarina, passou pelo futsal do Guarani de Brusque e se destacou cedo jogando em Curitiba; primeiro pelo Trieste, equipe amadora da capital paranaense, e depois pelo Athletico Paranaense, onde foi campeão estadual e goleiro menos vazado do torneio em 2017. Bernardo chegou ao Flamengo em agosto de 2018.
Christian Esmério, um dos goleiros mais promissores do futuro flamenguista, Christian tinha 15 anos e colecionava convocações para as categorias de base da seleção brasileira. Era o único dos falecidos presente nos últimos treinos da seleção sub-15, comandada pelo treinador Dudu Patetuci, em novembro do ano passado, logo após o Flamengo vencer o campeonato estadual da categoria. Christian também era observado por clubes europeus e foi destaque da Copa Nike sub-15 de 2018, quando defendeu um pênalti na semifinal contra o Grêmio e dois na final contra o São Paulo, ajudando seu clube a vencer o torneio.
Gedson Santos, natural de Itararé, em São Paulo, Gedinho era o que estava há menos tempo na base flamenguista. Com 14 anos, o meia foi aprovado nos testes do clube neste ano e estava há dois dias no CT do Flamengo. Antes, ele jogou por dois anos na base do Athletico Paranaense e também do Trieste, de Curitiba.
Jorge Eduardo era volante e nasceu no município de Além Paraíba, na fronteira de Minas Gerais com Rio de Janeiro. O atleta completaria 16 anos no próximo dia 14 de fevereiro. Morou dos 12, quando chegou no Flamengo, aos 14 anos na casa de amigos, no Rio de Janeiro, e se mudou para o Ninho do Urubu quando completou os 14 anos necessários para se alojar no CT. Ele era capitão da equipe campeã carioca sub-15 no último novembro.
Pablo Henrique nasceu na cidade de Oliveira, Minas Gerais, a 150 quilômetros de Belo Horizonte. O zagueiro de 14 anos estava há seis meses do clube e é primo do também zagueiro Werley, jogador profissional do Vasco da Gama. Pablo teve passagens pela base do Atlético Mineiro e escolinha da Inter de Milão no Brasil. Ele jogava pelo Flamengo desde agosto de 2018.
Rykelmo Viana tinha 16 anos e era volante e capitão da equipe sub-17 do Flamengo. Natural de Limeira, São Paulo, ele chegou ao Flamengo depois de se destacar no campeonato paulista de 2016 pela Portuguesa Santista. Rykelmo faria 17 anos no próximo dia 26 de fevereiro e é o mais velho entre os dez falecidos.
Samuel Thomas Rosa, lateral-direito natural de São João de Meriti, no Rio de Janeiro, Samuel completaria 16 anos no dia 4 de abril. Samuel estava no elenco campeão da Copa Nike e vice-campeão da Copa Votorantim, em janeiro de 2018.
Vitor Isaías, camisa 9 do sub-15 do Flamengo, Vitor tinha 14 anos e nasceu em Florianópolis, Santa Catarina. O atacante começou no Figueirense e passou por Athletico Paranaense e Trieste, como Bernardo Pisetta e Gedson, antes de chegar ao Flamengo, em agosto de 2018. Conhecido como Vitinho, ele era agenciado pela empresa do ex-jogador rubro-negro, Sávio.