Dia da Mulher Negra: espírito de luta e resistência

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Celebra-se neste sábado (25) o Dia da Mulher Negra, uma guerreira pela sobrevivência. A data visa dar destaque à resistência das mulheres negras e à luta contra o racismo e o machismo. O espírito de luta desta mulher guerreira está presente em todas as ações.

O 25 de Julho se constitui como um marco importante de resgate e valorização das identidades e das histórias de dezenas de mulheres negras do Brasil. Essa é uma data para se refletir e agir contra a imensa injustiça social vivenciada no Brasil.

A homenagem  à Mulher Negra foi estabelecida  pela Lei 12.987, de 2014 para coincidir com o Dia Internacional de Luta da Mulher Negra da América Latina e do Caribe. A lei que celebra o Dia da Mulher Negra foi uma iniciativa do Senado, assinada pela ex-senadora Serys Slhessarenko (MT).

Pesquisa do IBGE sobre desigualdades econômicas no país indica que mulheres pretas e pardas têm rendimentos equivalentes, em média, a 59% dos rendimentos das mulheres brancas. Já a razão entre os rendimentos de mulheres negras e de homens brancos é a mais desigual registrada na pesquisa: menos de 45%.

As mulheres negras representam 55% da população feminina do país, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)e  as mulheres pretas e pardas são 66% das vítimas de homicídio. Os dados são do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Estudo da organização mostra que a taxa de homicídios de mulheres negras cresceu 30% entre 2007 e 2017, índice mais de seis vezes superior ao registrado entre mulheres brancas.

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Câmara dos Deputados homenageia a Mulher Negra: espírito de luta e resistência

A cúpula da Câmara dos Deputados projetou ,ontem à noite, imagens de mulheres negras brasileiras.  A iniciativa foi da liderança do PSOL na Câmara. Após as projeções, a Câmara volta a ficar iluminada de verde, em apoio à campanha de conscientização para prevenção da Covid-19.

A mulher negra marcou a história e plantou sementes de força e bravura como Luiza Helena Bairros, Aqualtune e Tereza de Benguela, símbolos de resistência do nosso tempo.

Luiza Helena Bairros – mostra que a educação rompe barreiras

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Luiza Bairros, foi ministra da Secretaria de Igualdade Racial no governo Dilma Rousseff

A filha de uma dona de casa e um militar, nasceu em 1953, em Porto Alegre. Luiza Helena Bairros cresceu em uma cidade muito segregada com clubes sociais só para brancos e outros para negros. Seus pais sabiam que o valor viriam pela educação e para isso não mediram esforços. Luiza estudou em escola pública e graduou-se numa das primeiras turmas de Administração Pública e Empresas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Anos mais tarde, em 1979, Luiza mudou-se para Salvador, para viver entre pessoas negras. Seguiu seus estudos e tornou-se mestre em ciências sociais pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), com o projeto “O Negro na Força de Trabalho na Bahia, entre os anos 1950 -1980”. A pesquisa, focada na discriminação racial no mercado de trabalho, aponta para as dificuldades do racismo conforme o negro ascende socialmente. Luiza também se especializou em Planejamento Regional pela Universidade Federal do Ceará (UFC).

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Doutora Luiza Bairros

Em Salvador, a intelectual e ativista participou de maneira muito presente da vida política do município e se tornou um dos grandes nomes do Movimento Negro Unificado (MNU), a principal organização da comunidade negra da segunda metade do século XX. Ela compôs a entidade até o ano de 1994.

Em entrevista ao jornal do Movimento Negro Unificado (MNU), Luiza disse: “Não se trata mais de ficarmos o tempo todo implorando, digamos assim, para que os setores levem em conta nossas questões, que abram espaços para que o negro possa participar. Essa fase efetivamente acabou. Daqui para a frente, vamos construir nossas próprias alternativas e, a partir dessas alternativas, criar para o povo negro como um todo no Brasil uma referência positiva”.

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Doutora Luiza Helena Bairros ministra da Secretaria de Igualdade Racial do governo Dilma Rousseff

 Luiza Bairros assumiu a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial do Estado da Bahia (SEPROMI) em 2008, na gestão do governador Jaques Wagner. Na região Nordeste, Luiza participou da pré-implementação do Programa de Combate ao Racismo Institucional para os estados da Bahia e Pernambuco.

Em 2010, a doutora em Ciências Sociais, foi convidada pela presidenta Dilma Rousseff  para ser a Ministra-Chefe da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) e permaneceu no posto até 2014.

Durante o governo federal, foi responsável direta pela criação do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (SINAPIR), com a proposta de criar instâncias de denúncia de casos de discriminação e com o objetivo de implementar políticas públicas voltadas à comunidade negra.

A ativista também tem a sua trajetória reconhecida a nível internacional. Ela trabalhou nas Nações Unidas na formulação de programas de combate ao racismo entre os anos de 2001 e 2005, e foi fundamental na construção do Grupo Temático da ONU sobre Gênero, Raça e Etnia.

Luiza Bairros se formou doutora pela Universidade de Michigan, nos EUA, na área das ciências sociais, e foi uma das representantes brasileiras da Conferência de Durban, África do Sul, evento que ocorreu em 2001, e reuniu representantes de 173 países para discutir medidas contra o racismo, discriminação racial, xenofobia e outras intolerâncias.

A ativista, tida como um dos grandes nomes do movimento negro brasileiro, recebeu em 2011 a medalha Zumbi dos Palmares, homenagem dada pela Câmara Municipal de Salvador, o título de Cidadã Baiana (2013), concedido pela Assembleia Legislativa da Bahia, e o certificado Bertha Luz (2016), entregue pelo Senado Federal a pessoas com destaque na luta pelo direito das mulheres.

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Quando questionada sobre “O que é o racismo”, por Fernando Pompeu, em entrevista publicada no Geledés – Instituto da Mulher Negra -,  a intelectual deu respondeu: “Eu vejo o racismo como a ideologia em estado puro. É o que informa e o que possibilita desenvolver o preconceito e praticar a discriminação. É o que sustenta. O racismo engloba todas as relações, passa por dentro delas. É uma ideologia baseada na desumanização do outro, no extermínio do outro. O extermínio do outro só é possível porque há grupos que se supõem superiores. Não existe racismo de baixo para cima, pois ele sempre pressupõe a ideia de superioridade. Portanto, o Brasil é um país com um racismo bem desenvolvido. Tão desenvolvido que, durante muito tempo, sua existência pôde ser negada criando uma espécie de racismo invisível. A ponto de acusarem os que falam a palavra racismo de promotores de sua existência. Ou seja: deixa tudo como está, pois assim estamos todos confortáveis”.

Luiza Bairros faleceu em 12 de Julho de 2016, na cidade de Porto Alegre, vítima de câncer no pulmão. Faleceu aos 63 anos e deixou um legado de mais de 40 anos de articulação e luta pelo movimento negro brasileiro.

Antes de Luiza Bairros, outras mulheres foi afastadas de seu lugar de origem, por conta do tráfico. A  mulher negra desde os tempos da escravidão foi condicionada aos trabalhos pesados, seja na lavoura, nas vendas em condição de escrava, ama-de-leite ou na prostituição. Foi tratada de maneira desigual e isso a distingue de outras mulheres.

Aqualtune – a  luz dos Palmares

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Aqualtune era princesa, filha do rei Mani-Kongo, respeitada por seu papel nas terras congolesas, no no século XVI. Historiadores afirmam que Aqualtune liderou 10 mil pessoas durante a Batalha da Ambuíla, contra as forças angolanas e portuguesas pelo controle do território de Dembos, que separava Angola e Congo.

Entretanto, a resistência não foi capaz de frear os angolanos e os interesses portugueses. Ao fim da guerra, seu pai foi decapitado e ela foi capturada por forças portuguesas e vendida à senhores de escravos brasileiros. No Recife, foi vendida como escrava reprodutora para uma fazenda em Porto Calvo no Pernambuco, onde foi estuprada para dar origem a novos cativos de acordo com os interesses dos senhores de escravos.

Mesmo diante de tanto sofrimento, sua força aflorou mais uma vez. Ao ouvir falar da resistência negra no Brasil, constituída em quilombos, Aqualtune se juntou a outros escravos e lutou pela liberdade e conseguiu fugir da fazenda em que estava aprisionada.

Seu passado e sua realeza foram importantes para que em Palmares ela logo assumisse novamente uma posição de liderança. A partir das tradições de sua cultura, Aqualtune comandou o maior Quilombo da história brasileira. Com o passar dos anos deu à luz a Ganga Zumba. Tempos depois tornou-se avó de Zumbi dos Palmares.

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Aqualtune, a luz dos Palmares

Relatos sobre sua morte são incertos. Uns dizem que Aqualtune morreu em um incêndio durante uma emboscada paulista para destruir o Quilombo dos Palmares.  Outras teorias afirmam que ela teria fugido e vivido seus últimos dias de vida em paz em outra comunidade.

Aqualtune foi uma figura importante para a resistência afro-brasileira no período colonial. Simbolizou liderança e luta diante do sistema escravocrata e fez questão de passar isso adiante, seja através de seus descendentes ou de seus seguidores em Palmares.

Tereza de Benguela – a Rainha do Pantanal

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Tereza de Benguela

A história não sabe precisar se Tereza de Benguela nasceu na África ou no Brasil e muito menos em que ano.O que se tem conhecimento é que Tereza viveu durante o século XVIII no Vale do Guaporé, no Mato Grosso, e foi a maior liderança do Quilombo do Quariterê, hoje município de Vila Bela da Santíssima Trindade, há 548 km da capital do estado, Cuiabá. O quilombo, território de difícil acesso, foi o ambiente perfeito para Tereza coordenar um forte aparato de defesa e articular um parlamento para decidir em grupo as ações da comunidade, que vivia do cultivo de algodão, milho, feijão, mandioca, banana, e da venda dos excedentes produzidos. (Anal de Vila Bela do ano de 1770).

O Quilombo do Quariterê abrigava mais de 100 pessoas, entre negros e indígenas. Todos conviviam juntos sob a coordenação da Rainha Tereza, como ficou conhecida em alguns registros históricos.

Tereza coordenou as ações de resistência quando os bandeirantes atacaram e destruíram o quilombo. Na ocasião o seu companheiro José Piolho foi assassinado por soldados da capitania de Mato Grosso. O que se tem conhecimento é que alguns quilombolas conseguiram fugir depois do ataque dos bandeirantes e restituir o espaço, que foi novamente vítima de ação da capitania do Mato Grosso em 1777.

Há duas versões para a morte da líder quilombola. Uma relata que ela se suicidou depois de ser capturada por bandeirantes a mando da capitania do Mato Grosso, por volta de 1770, e outra afirma que Tereza foi assassinada e teve a cabeça exposta no centro do Quilombo que foi dizimado definitivamente em 1795.

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Tereza de Benguela, a rainha do Pantanal e José Piolho

Mesmo sem a Rainha Tereza e o Quilombo do Quariterê, a história é muito presente no imaginário da região, onde a oralidade garante a permanência do mito de Tereza de Benguela. Entre os relatos, alguns moradores da Vila Bela da Santíssima Trindade contam que ela navegava com barcos imponentes pelos rios do pantanal.

Em  1994 a escola de samba Unidos do Viradouro fez uma homenagem à Rainha Tereza com o enredo   “Tereza de Benguela – Uma Rainha Negra no Pantanal”.

Tereza é símbolo da luta das mulheres negras por ter resistido bravamente à escravidão.Ela  liderou levantes de negros e índios em busca da liberdade.

Fotos: Agência Câmara de Notícias e Agência Senado