Papa cita Vinícius de Morais em encíclica assinada no túmulo de São Francisco

O papa Francisco escolheu o túmulo de São Francisco, na cidade italiana de Assis, para assinar sua nova encíclica “Fratelli tutti” (Todos Irmãos) sobre a fraternidade universal e a amizade social. Um recado do Papa de que há uma prioridade mística e espiritual da experiência de fé sobre todas as formas institucionais de nossas crenças.

Foi a primeira vez que um pontífice deixa o Vaticano para assinar tão importante documento. Francisco, foi até a cidade de Assis, o coração da espiritualidade do Santo, cujo nome escolheu quando se tornou Papa. Uma encíclica à luz da experiência de um bispo formado com a espiritualidade franciscana e um jesuíta estudioso de teologia islâmica.

Os principais pontos da Encíclica do papa Francisco que fala ao coração de todas as pessoas são: Acabar com a fome no mundo, assegurar terra,teto e trabalho para todos, dizer não ao individualismo, ao neoliberalismo e ao populismo. Francisco defende o direito de todo ser humano viver “com dignidade e desenvolver-se plenamente”. No documento o Papa Francisco assegura que “Cuidar do mundo que nos rodeia e sustenta significa cuidar de nós mesmos”.
No sexto capítulo do texto, de 84 páginas, o destaque é uma menção ao poeta e compositor brasileiro Vinicius de Moraes (1913-1980). Dedicado ao “diálogo” e à “amizade social”, o trecho traz uma passagem da letra da música Samba da Bênção: “A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida”.

Não ao individualismo
“Os interesses individuais não geram um mundo melhor para toda a humanidade”.
Conforme escreveu o pontífice, “a fragilidade dos sistemas mundiais perante a pandemia evidenciou que nem tudo se resolve com a liberdade de mercado e que, além de reabilitar uma política saudável que não está prevista aos ditames das finanças, devemos voltar a pôr a dignidade humana no centro e sobre este pilar devem ser construídas as estruturas alternativas de que precisamos ”.
“Uma sociedade fraternal será aquela que conseguir promover a educação para o diálogo com o objetivo de derrotar o ‘vírus do individualismo radical’ e permitir que todos deem o melhor de si mesmos”.
Os três T
“É possível desejar um planeta que assegure terra, teto e trabalho para todos. Este é o verdadeiro caminho da paz, e não a estratégia sem sentido e míope de semear o temor e a desconfiança ante ameaças externas “
“A paz real e duradoura só é possível a partir de uma ética global de solidariedade e cooperação a serviço de um futuro moldado pela interdependência e corresponsabilidade entre toda a família humana”.
Não ao neoliberalismo
“O mercado sozinho não resolve tudo, embora mais uma vez queiram que acreditemos neste dogma da fé neoliberal. Trata-se de um pensamento pobre, repetitivo, que propõe sempre as mesmas receitas diante de qualquer desafio que se apresente”.
“O neoliberalismo se reproduz a si mesmo, recorrendo ao mágico ‘derramamento’ ou ‘gotejamento’ – sem nomeá-lo – como único caminho para resolver os problemas sociais”.
“A especulação financeira com o lucro fácil como objetivo fundamental continua provocando estragos”.
“A fragilidade dos sistemas mundiais diante das pandemias evidenciou que nem tudo se resolve com a liberdade de mercado e que, além de reabilitar uma saudável política que não esteja submetida aos ditames das finanças, temos que voltar a levar a dignidade humana ao centro e que, sobre este pilar, sejam construídas as estruturas sociais alternativas que necessitamos”.

Acabar com a fome no mundo
“Ainda estamos longe de uma globalização dos direitos humanos mais básicos. Por isto a política mundial não pode deixar de colocar entre seus objetivos principais e imperiosos o de acabar de modo eficaz com a fome. Porque quando a especulação financeira condiciona o preço dos alimentos, tratando-os como uma mercadoria qualquer, milhões de pessoas sofrem e morrem de fome. Por outro lado, toneladas de alimentos são desperdiçadas. Isto constitui um verdadeiro escândalo”.
“A fome é criminosa, a alimentação é um direito inalienável”.
Nacionalismo cego
“Os nacionalismos fechados expressam de modo definitivo esta incapacidade de gratuidade, o erro de acreditar que podem desenvolver-se à margem da ruína dos demais e que fechados ao restante estarão mais protegidos. O imigrante é visto como um usurpador que não oferece nada. Assim, pensam ingenuamente que os pobres são perigosos ou inúteis e que os poderosos são benfeitores generosos. Somente uma cultura social e política que incorpore a acolhida gratuita poderá ter futuro”.
O insano populismo
“O desprezo pelos fracos pode esconder-se em formas populistas, que os utilizam demagogicamente para seus fins, ou em formas liberais a serviço dos interesses econômicos dos poderosos. Em ambos os casos se adverte para a dificuldade de pensar em um mundo aberto que tenha lugar para todos, que incorpore os mais fracos e que respeite as diversas culturas”.
“Há um insano populismo quando se converte na habilidade de alguém para (…) instrumentalizar politicamente a cultura do povo, com qualquer signo ideológico, a serviço de seu projeto pessoal e de sua perpetuação no poder”.
A memória
“Hoje é fácil cair na tentação de virar a página afirmando que já faz muito tempo que aconteceu e que é preciso olhar para frente. Não por Deus! Nunca se avança sem memória, não se evolui sem uma memória íntegra e luminosa”.
“Verdade é contar às famílias devastadas pela dor o que aconteceu com seus familiares desaparecidos”.
O sonho
“Anseio que nesta época em que vivemos, reconhecendo a dignidade de cada pessoa humana, que possamos fazer renascer entre todos um desejo mundial de fraternidade.(…) Precisamos de uma comunidade que nos apoie, que nos ajude e na qual ajudemos uns aos outros a olhar para frente. Que importante é sonhar juntos!”.

A “Fratelli tutti”, terceira encíclica do papa argentino, nos seus sete anos e meio de pontificado, é fruto de uma profunda reflexão, em meio à grave emergência sanitária que assola o planeta em 2020. O texto produzido por Francisco deve servir de guia espiritual para os católicos, face aos momentos inéditos que a humanidade atravessa.
A primeira encíclica “Lumen Fidei” (A Luz da Fé), escrita a quatro mãos com seu antecessor, Bento XVI, e “Laudato Sí”, em defesa da Mãe Terra, escrita em 2015.