Nelson Freire, pianista de gloriosa sensibilidade poética, morre aos 77 anos

O gênio do piano, Nelson Freire, nos deixou órfãos de sua música aos 77 anos, na madrugada do dia 1º. Uma perda imensa do gigante do piano, para os familiares, colegas, fãs e o país. Nelson era ícone de gerações de músicos, revelou ao mundo sua excepcionalidade, encantando plateias com o seu grande talento.
O corpo de Nelson Freire, será velado nesta terça-feira (2), no Theatro Municipal do Rio de Janeiro. A despedida do pianista de gloriosa sensibilidade poética será aberta ao público, das 11h às 16h no foyer do teatro. Depois, o corpo do músico será sepultado no Memorial do Carmo, no Caju, na Zona Norte da cidade, às 17h. Nelson morreu em casa, na Joatinga, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, e deixa viúvo, o médico Miguel Rosário, e um irmão.
O maestro e também pianista João Carlos Martins disse que Freire estava no auge da carreira. “Eu considerava o Nelson, talvez hoje, o maior pianista da atualidade. E, sendo brasileiro, uma honra para o nosso país. O Nelson dignificou o nome do Brasil em todos os continentes e, ultimamente, eu o considerava o maior pianista da atualidade”, disse.

O pianista Arthur Moreira Lima, disse que a perda é triste e irreparável. “Conheço Nelson, que sempre chamei de nelsinho, porque nos conhecemos crianças ainda com menos de 10 anos. É muito triste para mim e uma grande perda para todos nós que gostávamos tanto dele e sobretudo para a musica brasileira , para a cultura brasileira.”
A morte do pianista Nelson Freire está sendo lamentada pela comunidade da música clássica no Brasil e em todo o mundo. O pianista brasileiro, considerado um dos maiores do século XX e do início do século XXI.
Mineiro de Boa Esperança, nascido em 18 de outubro de 1944, Nelson Freire começou a tocar piano aos 3 anos de idade, vendo a irmã estudar o instrumento. Dois anos depois, ele fez seu primeiro recital, no Teatro Municipal de São João Del Rei. Naquela noite, os pais se preocuparam que ele dormisse antes da apresentação e fizeram questão de massagear as mãos dele para afastar o frio.

O talento de Nelson o levou à Europa com 12 anos para estudar com os melhores professores. Com 15, ele dava seus primeiros concertos. Freire nunca parou de estudar. Passava a maior parte do tempo em casa, sozinho, se exercitando e desenvolvendo a técnica que o tornou um dos maiores pianistas dos séculos 20 e 21.
Consagrado pela crítica europeia, Nelson se apresentou com as melhores orquestras do mundo e se tornou um dos grandes intérpretes de Beethoven. Ele também era conhecido por ser um grande intérprete de Chopin. Com a pianista argentina Martha Argerich se apresentou em peças de dois pianos. Ele dizia que ” a música só acontecia ao vivo, diante do público”.
A partir de 2001 lançou grandes discos, como o dedicado à obra de Debussy. Ele também fez interpretações da obra de Villa-Lobos. Em 2003, foi homenageado pelo cineasta João Moreira Salles com o documentário sobre sua vida e obra. O filme mostra a rotina e as turnês mundiais do maior pianista brasileiro de seu tempo. O público conhece a infância, os primeiros acordes e os sacrifícios feitos pela família.

Em 2012, ele voltou ao palco de São João Del Rei onde fez seu primeiro concerto, após 62 anos. A apresentação, no Projeto Música no Museu, teve lugares disputados e também foi exibida em um cinema da cidade. Naquela ocasião ele declarou: “Fico muito agradecido, emocionado em pensar que eu estive aqui há 62 anos. É um passo enorme, uma vida. A demonstração de carinho de todos é muito tocante”.
Em 2015, foi homenageado com o livro “Nelson Freire: a pessoa e o artista”, lançado pelo escritor Ricardo Fiúza, amigo desde os anos 1950. “Com cinco anos de idade, ele escutava a irmã mais velha tocar. Ela saía do piano. Ele subia devagarinho, com muito cuidado, e tocava o que ela acabou de tocar”, contou Ricardo Fiúza, por ocasião do lançamento da obra.


Em 2018, jovens da Orquestra Sinfônica da Baixada Fluminense acompanharam um ensaio do pianista no Theatro Municipal. Ele afirmou que tocar no Brasil era especial. “É diferente. Eu tenho que fazer um esforço para me concentrar. Além da emoção de estar aqui, onde estive tantas vezes. A primeira vez que eu pisei neste palco foi em 1953”, disse Nelson.
Em 2019, quando completou 75 anos de vida e 70 anos de carreira, Freire lançou no dia do seu aniversário, em 18 de outubro, o disco “Encores”.

No mês seguinte, o pianista levou um tombo ao tropeçar em uma calçada de pedras portuguesas na altura do Posto 3, na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio. O músico fraturou o braço e passou por uma cirurgia no Hospital Copa D’Or, em Copacabana, na Zona Sul. Desde então, ele nunca voltou a gravar ou a se apresentar em público.
Entre as comendas e distinções recebidas por Nelson Freire, destacam-se as de Cidadão do Rio, Cavaleiro da Ordem do Rio Branco, Medalha Pedro Ernesto, Cavaleiro da Legião de Honra da França, Comandante de Artes e Letras da França, Medalha da Cidade de Paris e da Cidade de Buenos Aires, além do título de doutor honoris causa da Faculdade de Música da UFRJ.
Naquela ocasião Nelson destacou a função exercida pela arte na história em períodos de turbulência. “Em horas de crise, as artes e a cultura assumem um papel de modelo de convívio baseado no entendimento e respeito entre os humanos”.

Descanse em paz, nobre pianista que combinava técnica e emoção!
Fotos: Divulgação e Reprodução