Crise financeira faz limão contrair cancro cítrico e União Europeia veta chegada do produto

Após uma série de notificações partindo da União Europeia para o Brasil, o setor exportador de lima ácida (limão tahiti) do país está em alerta com o risco do país perder a principal parceria comercial do setor em decorrência de cargas com cancro cítrico enviadas à Europa nos últimos meses. A informação foi confirmada por um auditor fiscal federal Agropecuário do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e também pela Associação Brasileira dos Produtores Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas).
André Augusto Francese, auditor fiscal do Mapa, explica que o problema começou a ser observado no segundo semestre do ano passado, quando o Brasil foi notificado pela primeira vez pela União Europeia, mas se agravou entre janeiro e maio de 2022, período em que foram registradas 32 interceptações da carga brasileira em território europeu.

O cancro cítrico é uma doença de plantas cítricas que ataca os tecidos vegetais, causada por bactérias do gênero Xanthomonas. De um modo geral, ocorre de forma severa em regiões onde o clima no verão é quente e úmido, manifestando-se em folhas, frutos e ramos através da formação de lesões necróticas. Todas as espécies de citros, como limão, laranja e mexerica, podem ser afetadas pela bactéria.
O cancro cítrico é considerado uma doença não existente na Europa, o que aumenta a fiscalização dos produtos. O setor produtivo brasileiro está em alerta. No ano passado, os embarques foram de aproximadamente 153 mil toneladas, o que gerou receita na ordem de US$ 122 milhões no período. Já de janeiro a junho deste ano, 84,9 mil toneladas foram vendidas ao bloco, 72,513 milhões de dólares.

Eduardo Brandão, diretor executivo da Abrafrutas, reconhece o problema e afirma que o setor está há meses tentando evitar que as portas da União Europeia se fechem para o Brasil. Para ele, o cenário atual é uma junção de fatores dos últimos anos, principalmente a alta no custo de produção que gerou menos aplicações de produtos nos pomares e agora resultam em áreas de produção doentes no Brasil.
Segundo o engenheiro agrônomo Luiz Gonzada Fenólio, especialista agropecuário da Coopercitrus, os sintomas característicos do cancro cítrico nos frutos são lesões necróticas marrons, salientes e ásperas, visíveis cerca de duas semanas após a infecção durante os estádios iniciais de desenvolvimento.
“A doença causa desfolha das plantas, queda prematura dos frutos e desvalorização da produção. Essa desfolha, quando muito intensa, compromete significativamente a área fotossintética da planta, afetando negativamente o desenvolvimento das plantas”, explica Rinaldi.

“Nas folhas e nos frutos, inicialmente, aparecem pontuações circulares amarronzadas. À medida que evoluem, são acompanhadas por um anel amarelo. Na fase mais adiantada dos sintomas, essas lesões viram rachaduras com superfícies ásperas (lembram uma ferida na pele em final de cicatrização que começa rachar). Já nos ramos, aparecem lesões salientes que lembram verrugas”, diz o especialista.
O agrônomo diz que a doença teve origem na Ásia, mas já ocorre de forma endêmica em todos os países produtores de citros. No Brasil, foi identificado pela primeira vez em 1957 nos estados de São Paulo e Paraná.
O presidente do Sindicato Rural de Taquaritinga, Marco Antônio dos Santos, explica que a bactéria se espalha por diversos vias, como vento, contato com material de colheita, trânsito das frutas, entre outros. Para evitar a contaminação, é necessário utilizar um produto de controle que, segundo ele, não é tão acessível.
“O produtor, de forma geral, deixou de fazer essa prevenção mensal devido a falta de condições financeiras e agora amarga com a doença”, diz Marco Antônio.
O Ministério da Agricultura afirma que não há risco à saúde humana. “É uma praga que afeta a produtividade da planta, e o fruto contaminado pode ser meio de dispersão da praga.”
De acordo com Agências de Defesa e Inspeção Agropecuária, como não existe método curativo para a doença, a única forma de eliminar o cancro cítrico é por erradicação do material contaminado. No entanto, só a erradicação das árvores contaminadas não garante a eliminação da bactéria causadora do cancro cítrico.

Também é importante eliminar as rebrotas que surgem na área onde foi realizada a erradicação e queima das árvores. Essas rebrotas podem estar contaminadas pelo cancro cítrico. Todo o material (como enxadas), máquinas e implementos (trator e grade) usados na eliminação das rebrotas devem ser pulverizados com bactericida.
A área (talhão) onde o foco da doença foi encontrado fica temporariamente interditada. Os demais talhões podem ser comercializados, depois de inspecionados. Não é permitido o replantio de citros por um período de dois anos, nas áreas que tiveram plantas erradicadas por causa da doença.
De acordo com o ministério, a Coordenadoria de Defesa Agropecuária (CDA) da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo foi acionada para que seja feita uma auditoria de avaliação.

O Ministério da Agricultura informa que a suspensão começou no dia 1º de julho para os exportadores e packing house que tiveram carga com interceptação de cancro notificado pela União Europeia. Os barracões que fazem armazenamento e exportação na região de Taquaritinga foram interditados.
A medida afeta principalmente propriedades de pequenos produtores. Sem o mercado externo, eles começam a enfrentar a queda do preço da caixa.
Rodrigo Henrique Caloan está entre os produtores afetados pela suspensão da venda do limão. Segundo ele, uma caixa inteira de frutas em boas condições terá que ser descartada devido ao contato com a bactéria.
“Com a proibição para exportar esse produto, a fruta vai ficar no mercado interno e, possivelmente, o preço pode cair mais”, diz o presidente do Sindicato Rural, Marco Antônio dos Santos.

Uma pesquisa do Fundecitrus, em 2020, sobre a otimização das aplicações de cobre em pomares de citros para o controle do cancro cítrico foi publicada na Plant Disease, revista científica da sociedade americana de fitopatologia. O artigo descreve a possibilidade de usar menores quantidades de cobre e água para reduzir os custos de produção e impactos ambientais sem interferir na eficiência de controle da doença.
O estudo avaliou o volume de calda e a dose de cobre metálico mínimos necessários com base no tamanho das árvores. Os experimentos foram realizados durante duas safras em um pomar comercial de laranja Pera, inicialmente com três anos de idade.

Os volumes de 20 e 40 ml de calda por m3 da copa das árvores foram avaliados em combinação com doses de cobre metálico que variaram de 10 a 50 mg/m3. Os resultados mostram que, em aplicações realizadas com intervalo de 21 dias, o melhor tratamento para cancro cítrico com o menor uso de água e cobre foi a combinação de 40 ml e 40 mg/m3. Tratamentos com 20 ml de calda por m3 apresentaram menor eficiência de controle.
“Este é um dos estudos que serviram de parâmetro para o processo de reformulação do manejo do cancro cítrico voltado ao uso racional do cobre. Atualmente, sabemos que o volume de calda mínimo ideal para o controle da doença é de 40 ml/m3, podendo chegar a 70 ml em aplicações que visam manejo conjunto com pinta preta. Por sua vez, a dose mínima de cobre é de 40 ou 30 mg de cobre metálico/m3 em pomares jovens ou 1 ou 0,7 kg/ha em pomares adultos para intervalos de aplicação de 21 ou 14 dias, respectivamente”, explica o pesquisador Franklin Behlau, coordenador do estudo.
Fotos: Carlos Trinca/EPTV e Reprodução