Literatura de Ariano Suassuna evidência sabores das diversas regiões do Brasil

Foi nos anos 1970, mais precisamente no dia 18 de outubro, que o escritor Ariano Suassuna fundou o Movimento Armorial. Era início da noite, quando um grupo de artistas se reuniu no pátio da igreja de São Pedro dos Clérigos, no centro de Recife, capital de Pernambuco, para apresentar um projeto rico e ousado: fazer arte erudita a partir de elementos da cultura popular.
Eles tinham como principal objetivo criar uma arte autêntica brasileira baseada em suas raízes. Fazer o Brasil encarar-se de frente. Coisa que Ariano já fazia há mais de uma década. Foi no interior da Paraíba, onde cresceu e viveu, que Ariano escreveu “O Auto da Compadecida”, uma adaptação de três folhetos de cordéis para a dramaturgia, que acabou chegando ao cinema e à TV em forma de minissérie.
Apesar de ter sido elaborado 15 anos antes do lançamento do Movimento, o livro acabou virando uma obra capaz de sintetizar a cultura armorial se espalhado pelas artes em geral como: literatura, dança, teatro e arquitetura.

Agora chegou a vez da culinária ser alicerce cultural de um povo. Afinal, depois da língua, nada nos une mais do que o que comemos.
Movimento Armorial pelo Brasil

Apesar de ter nascido sob o solo sertanejo, o Movimento Armorial não se restringe a limites territoriais. É possível encontrar chefs que caminham nessa mesma direção em diversas partes do país.
O nascimento da cozinha Armorial foi com o chef paraibano Onildo Rocha, após ler o “Romance d’A Pedra do Reino” ele percebeu que sua gastronomia era Armorial. “Comecei a estudar e achei uma similaridade incrível com o que eu fazia, que era enaltecer os ingredientes e cultura popular. Fui atrás da família Suassuna e tive a autorização para usar o termo para descrever meu trabalho”, conta Onildo Rocha.
“O Ariano queria que o Brasil fosse armorial. Que todas as regiões entendessem e extraíssem da terra, da memória de seu povo o que há de mais valioso, e tornasse essa cultura global”, afirma Onildo.

O cozinheiro paraibano coloca à mesa um Brasil plural que, ao mesmo tempo que apresenta a cozinha originária, com releitura da culinária indígena, dialoga com o mundo. Em 2022 Onildo Rocha ganhou o Prêmio de Chef do Ano, de VEJA SÃO PAULO COMER & BEBER.
No Sul, em Curitiba, Paraná, Manu Buffara é um exemplo de que o Armorial está em movimento. “Conheci esse termo pelo Onildo. Acredito que é meu trabalho é pegar esses ingredientes que estão no dia a dia, nos mercados e feiras, e extrair deles o que há de melhor”, diz.

Eleita a melhor chef mulher da América Latina pelo Latin America’s 50 Best Restaurants 2022, entre outros títulos, Manu é dona de uma cozinha marcada pelo protagonismo vegetal. Comanda, desde 2011, o Manu, que serve apenas menu degustação preparado com ingredientes sazonais e frescos.
“Quando viajo levo comigo não só os produtos e ingredientes que tenho aqui, mas também todo o nosso conhecimento, a filosofia e a nossa maneira de cozinhar”, diz Manu.
E, talvez seja isso a essência do Movimento Armorial: usar o mel da abelha-mirim nativa, vindo do sítio do seu Benê, em Mandirituba, no interior do Paraná, deve ter o mesmo valor tanto para o cliente do Manu quanto para um comensal do outro lado do mundo. Porque a arte não tem limites. Uma das criações mais emblemáticas de Buffara – a cenoura na brasa com rub de especiarias, salsa de fermento e farinha de mandioca fermentada – conversa (e encanta) pessoas em diversas línguas.

“O nosso maior desafio é pensar fora da caixinha e fazer com que um produto regional e popular seja entendido em qualquer lugar”, diz a chef, que hoje também dá expediente no restaurante Fresh in the Garden, nas Ilhas Maldivas e, em breve, abre o Ella, em Nova York.
Apesar de ter nascido em Santa Catarina, o chef Felipe Schaedler virou uma referência quando o assunto é comida amazônica. Aos 15 anos, viu sua vida mudar ao trocar sua cidade natal, Maravilha, por Itacoatiara, no Amazonas.
Apaixonou-se pelos rios, pela floresta e pelo mundo encantado que existe sob as copas das imensas árvores que guardam a história do Brasil originário. Fundou o Banzeiro. Primeiro em Manaus. Depois, seguiu para capital paulista. Ficou tão famoso quanto o seu mentor, Alex Atala.

Na selva de pedra, apresentou os ingredientes da terra onde cresceu de um jeito diferente. Transformou os insumos e modos de fazer ribeirinho e indígena em fine dining. Na cozinha de Felipe, o tucupi, sumo extraído da raiz da mandioca brava, muito usado na região Norte, ganha a companhia do nam pla (molho de peixe tailandês) e katsuobushi (peixe seco japonês).
“Aí temos uma explosão de umami, o que é muito legal”, diz. O tucupi é usado em receitas tradicionais, como o tacacá, preparo indígena, servido com goma de mandioca, jambu e camarão seco. Outro exemplo é a espuma de mandioquinha guarnecida com formiga-saúva. “Sempre causa um alvoroço entre a clientela, que fica curiosa com esse insumo”, diz o chef. Além deste prato ele também oferece salada de vitória-régia com pérolas de açaí; pirarucu curado com farinha do uarini e pimenta-de-cheiro.

Ariano Suassuna além de levar o artesanato às grandes galerias, o cordel aos telões de cinema, a música popular aos grandes teatros, seu Movimento Armorial levou também a comida do povo para alguns dos melhores restaurantes do país e do mundo.
Fotos: Tasso Marcelo/Estadão, Alex Silva/Divulgação e Reprodução