STF promove encontro em parceria com universidades para combater a desinformação

O seminário Combate à Desinformação e Defesa da Democracia, promovido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em parceria com universidades públicas, foi organizado no âmbito do Programa de Combate à Desinformação, e reuniu ministros, academia e representantes da sociedade civil para debater formas de enfrentar a desinformação e o discurso de ódio.
O encontro também contou com a participação da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) e do Colégio de Gestores de Comunicação das Universidades Federais (Cogecom).
A presidente do STF, ministra Rosa Weber, o simples enunciar dos aspectos que serão abordados já mostra a relevância do debate. “A informação é instrumento poderoso que pode destruir vidas e instituições. Seu lado mais sombrio mostrou a face nos ataques covardes do 8 de janeiro, data à qual sempre me refiro como dia da infâmia”.
De acordo com a ministra, construções de narrativas fantasiosas foram feitas com o objetivo de desacreditar instituições. “Foram as sementes do mal que transformaram aquele dia em uma das páginas mais tristes e lamentáveis da história do país, quando pela primeira vez esta suprema corte foi invadida e vandalizada nos quase 200 anos de sua existência”.
‘Desejo que os debates que terão lugar neste seminário possam gerar frutos e trazer resultados concretos na luta contra a desinformação”, afirmou Rosa Weber.

A desinformação disseminada pela internet é a “praga do século 21”, disse o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, na abertura do seminário Combate à Desinformação e Defesa da Democracia. Para ele, além de ter colocado em risco a democracia brasileira, a desinformação tem causado efeitos perversos na sociedade, como o aumento exponencial do número de suicídios entre adolescentes.
“Notícias fraudulentas disseminadas nas redes sociais aumentaram exponencialmente o número de suicídios em adolescentes. Isso é uma praga. É a praga do século 21”, argumentou o ministro.
Alexandre de Moraes defendeu que, para combater essa “praga”, é necessário instrumentalizar todos os meios de controle e a Justiça. Algo que pode avançar a partir dos debates que serão conduzidos durante o seminário – em especial em três frentes: educação, prevenção e, em último lugar, repressão. “Esse é o grande desafio, hoje, deste seminário. Temos de atuar em três frentes. A primeira é a educação, para as pessoas entenderem. Principalmente adolescentes e pessoas jovens, de um lado, e, do outro lado, as pessoas mais idosas, que abandonaram os telejornais”.

“No caso das pessoas mais jovens, elas nem se encontraram com a mídia tradicional. Não acompanham jornais. Não falo nem de jornal físico, que já é pré-história. Eles não acompanham sequer os jornais de internet. Se somarmos os cinco telejornais com maior audiência, eles perdem [em termos de audiência] para o primeiro influencer”, afirmou o ministro do STF.
Sobre a prevenção, Moraes lembrou que é necessária uma alteração dos mecanismos de autorregulação e também a regulamentação. “O Congresso Nacional está discutindo isso, mas ainda está devendo uma regulamentação. É necessária uma regulamentação porque as big techs [gigantes de tecnologia, como Google, Apple, Microsoft e Meta] não podem continuar imunes à responsabilidade pela desinformação em cadeia que propagam, atacando a democracia”.
“Obviamente, se a educação não deu certo e a prevenção falhou, o terceiro ponto é a repressão. Mas uma repressão mais moderna, diferente dos métodos antigos. Avançamos muito na Justiça Eleitoral, por exemplo, alterando a retirada de desinformação nas redes, que tradicionalmente demorava 24 ou 48 horas, o que é uma vida. Passamos esse prazo para duas horas; depois para uma hora [na véspera das eleições]. E, no dia das eleições, 15 minutos. Ou seja, faz um dano muito menor”, complementou.
Segundo o ministro, nos painéis programados para o encontro será possível discutir essas três frentes – educação, prevenção e repressão –, bem como “avançar para tornar a democracia um pouco mais imune a essa enxurrada de notícias fraudulentas e ataques virtuais”.

No primeiro dia o assunto foi o combate à desinformação, em especial os conteúdos difundidos por meio de fake news deve ter como foco sobretudo crianças e adolescentes. Para os especialistas é fundamental a participação de instituições de ensino inclusive por meio de veículos públicos de mídia, como emissoras de rádio e TVs educativas, públicas e universitárias.
Representando entidades da sociedade civil signatárias do Programa de Enfrentamento à Desinformação, a diretora executiva do Instituto Palavra Aberta, Patrícia Blanco, citou uma pesquisa global divulgada recentemente pela Open Society Foundation, segundo a qual 86% da população mundial dizem preferir viver em um Estado democrático. Ela, no entanto, alerta que “esse índice despenca em se tratando dos mais jovens”.
“Os mais jovens são os que mais deixam de valorizar os processos democráticos. Pessoas ao redor do mundo ainda querem acreditar na democracia. No entanto, a cada nova geração essa fé diminui, enquanto aumentam as dúvidas sobre a capacidade de [a democracia] trazer melhorias concretas à vida das pessoas”, disse Patrícia.
Segundo ela muitos jovens do ensino médio não têm conhecimento sobre os processos democráticos, nem sobre a “importância da participação ou da possibilidade de participar, como protagonistas, para melhorar o seu entorno e a sua situação a partir de processos democráticos”.
“Esses resultados mostram com clareza que estamos desafiados a uma tarefa urgente, porque a desinformação tem envenenado o discurso político e porque temos visto o quanto ela afeta a confiança nas instituições e mina o processo democrático”, acrescentou ao defender investimentos maciços na educação cidadã de crianças e jovens, dando a eles oportunidade de participação na construção de soluções para os inúmeros problemas.
Educação midiática

Presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) e reitora da Universidade de Brasília (UnB), Márcia Abrahão Moura disse que, para cumprir o papel de melhor formar jovens e as próximas gerações, universidades, institutos federais e centros federais de educação tecnológica precisam usar de meios que vão além da sala de aula, abrangendo também a educação midiática.
“Sem educação, não conseguiremos avançar no combate à desinformação e na defesa da democracia”, disse Márcia, ao lamentar que, em período recente, universidades federais, educadores e ciência tenham sido alvo de fortes ataques “daqueles que querem minar a democracia”.
Segundo a Reitora , a desinformação ataca não apenas a democracia, mas “pilares fundamentais da sociedade”. “Não podemos esquecer do que aconteceu durante o auge da pandemia de covid-19 no Brasil. Quantas mortes poderiam ter sido evitadas, se tivéssemos ganhado a luta contra a desinformação?”, questionou ao classificar como “mal do século” a desinformação.
Márcia Abrahão defendeu a ampliação de algumas parcerias que vão além de projetos acadêmicos, chegando, também, nas TVs e rádios universitárias, que, de acordo com ela, são fundamentais para alcançar mais pessoas em diferentes partes do Brasil. “Não poderia deixar de falar da necessidade de ampliarmos cursos, programas e projetos na área da informação. Aliás, não podemos ficar falando de desinformação. Temos que falar em informação. Precisamos informar melhor a nossa sociedade”, disse a reitora da UnB e presidente da Andifes.

Durante dois dias especialistas discutiram as formas e ferramentas para fortalecer jornalismo de qualidade e independente. Educação digital, checagem de fatos, regulação e jornalismo sério foram algumas das ferramentas de combate à desinformação, citadas pelos especialistas. A maioria dos participantes defendeu a regulação de todo processo midiático
Para o professor de Comunicação Social da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) Edgar Rebouças, os efeitos nocivos da desinformação e das fake news reacendem não apenas o debate sobre a regulação das plataformas da internet, mas também da mídia tradicional, de forma a favorecer a produção de um jornalismo de qualidade.
O problema, segundo ele, é que, a partir de 2009, com a “extinção por completo da Lei de Imprensa por decisão do próprio STF, houve uma queda abrupta na qualidade do jornalismo, a regulação de todo o processo midiático”, que abrange não apenas as grandes plataformas da internet, mas também as empresas de mídia.

Também foi debatido o fim da Lei de Imprensa que levou junto o direito de resposta; levou junto o sigilo da fonte; levou junto a responsabilização qualificada para crimes contra a honra. Outro exemplo citado foi o fim da classificação indicativa, sob o argumento de que liberdade de expressão era um bem absoluto, e que cada família tinha o direito decidir o que quisesse para os seus filhos.
Desinformação lucrativa
Mayara Stelle, representante do Sleeping Giants, disse que “jornalismo de qualidade e jornalismo independente precisam ser fortalecidos e mais monetizados”. Ela defende mecanismos que direcionem os recursos pagos por anunciantes a sites que apresentem informações corretas, em contraposição à desinformação.
“A gente precisa reconhecer que, atualmente, desinformação, discurso de ódio, intolerância, extremismo, se tornaram um modelo de negócio. A gente vê essas pessoas tendo ganhos políticos e monetários”, disse Mayara Stelle.
Ao citar um estudo do Global de Desinformação (GDI), divulgado em 2020, Mayara disse que a “indústria desinformativa” teve, em 2019, um lucro de US$ 235 milhões em publicidade online. “É um número muito grande que, acredito, já tenha mudado, mas dá uma perspectiva do quanto a desinformação hoje é lucrativa. E poucas pessoas sabem disso”.
Mayara acrescentou que há empresas que patrocinam conscientemente a desinformação, mas há também algumas que não têm nenhum conhecimento sobre o que estão patrocinando. “Antigamente, quando uma empresa queria vender um produto ou um serviço, ela entrava em contato diretamente com o veículo, para fazer a publicidade. Hoje em dia, as empresas preferem confiar nas gigantes da internet para fazer a distribuição automática da publicidade. Assim, grandes empresas acabam parando em sites desinformativos, com comportamentos nocivos e odiosos. Essa é uma situação muito comum, deixando claro que se trata de um problema sistêmico”.
Limites
Professor da Universidade Estadual de Santa Catarina (Unesc), Gustavo Borges disse que, nesse contexto, o maior desafio é a questão da regulação e que, sobretudo, é necessário estabelecer limites para a liberdade de expressão, ainda que falte consenso para tal. “A Unesco aponta sobre a necessidade do estabelecimento claro entre a desinformação, que é quando se tem uma estratégia, com o objetivo de causar um dano, da informação errônea”.
Gustavo Borges diz ser necessário entender que o maior volume de desinformação se propaga por meio de robôs, que acabam potencializando o processo de propagação, amplificação, ataque e camuflagem, “agregando uma aparência de credibilidade que diminui a resistência dos leitores”.
“No Google há aproximadamente 90 mil pesquisas feitas por segundo. No Twitter, são 350 mil tweets por minuto. No Instagram, são quase 50 mil fotos por minuto. No Facebook, são 1 bilhão de stories por dia. No YouTube, 500 horas de conteúdo são postadas por minuto; e no Tik Tok, são 27 mil vídeos por minuto”, contou o professor da Unesc.
Código de conduta
O pesquisador defendeu um código de conduta reforçado sobre desinformação, a exemplo do adotado na Europa, que prevê 128 medidas, entre elas desmonetização, inclusive por meio do fortalecimento de um jornalismo de qualidade; transparência da propaganda política; garantia da integridade do serviço contra contas falsas; capacitação de usuários, pesquisadores e da comunidade de verificação de fatos; força-tarefa permanente em cooperação com os players mais importantes; e estrutura de monitoramento .“Não adianta só legislar. É preciso de políticas públicas de educação digital”, disse o professor e pesquisador.

Dentre os participantes do Seminário promovido pelo STF, Márcia Abrahão Moura, presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) e reitora da Universidade de Brasília (UnB); Lúcia Campos Pellanda, reitora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA); Odilon Máximo de Morais, reitor da Universidade Estadual de Alagoas (Uneal); Doutor José Levi, secretário-geral da presidência do Tribunal Superior Eleitoral; Patrícia Blanco, diretora executiva do Instituto Palavra Aberta e representante das entidades da sociedade civil signatárias do Programa de Enfrentamento à Desinformação; Juliana Marques, professora da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB); Natália Leal, CEO da Agencia Lupa; Fábia Lima, professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); Daniel PInheiro, professor do Programa de Pós-Graduação Acadêmico em Administração e do Departamento de Administração Pública da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc); dentre outras importantes presenças.
Livro

O STF, em parceria com a Universidade de Brasília, lançou durante o seminário o livro Desinformação – O mal do século – Distorções, inverdades, fake news: a democracia ameaçada. A coletânea reúne 16 artigos de 31 autores.
A obra foi dividida em três partes. A primeira parte é composta pelos artigos que falam da informação como direito fundamental do ser humano e quesito essencial dos regimes democráticos, todos de autoria de representantes do STF. A segunda parte explora a desinformação sob o espectro da comunicação e do compromisso com a formação das novas gerações. Já a terceira parte trata da questão da desinformação na saúde, em especial durante a pandemia, quando várias informações erradas ou inverídicas foram disseminadas.
Fotos: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil, Rosinei Coutinho/STF, Reprodução

