Elza Soares: mulher coragem feita de luz, força e talento morre aos 91 anos

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Elza Soares – a ativista do amor que lutava por justiça social e pela integridade da mulher


É com pesar que registro o falecimento da ícone da música brasileira, Elza Soares, aos 91 anos, de causas naturais em sua casa no Rio de Janeiro. A morte da cantora aconteceu no mesmo dia da de Mané Garrincha, com quem Elza teve um relacionamento por 17 anos. O jogador faleceu em 20 de janeiro de 1983, há quase 40 anos e ela em 2022. Um reencontro do amor deste casal que marcou época e que uniu o futebol ao samba.


Uma mulher coragem feita de luz, força e talento.
Uma artista genial, lúcida que sabia de onde vinha e que nunca desistiu de lutar por justiça social e por mais espaço para as mulheres. De vítima a violência doméstica à deusa da Sapucaí.

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Elza Soares: trabalho pautado pela resistência feminista, antirracista e anti-homofóbica


Quando fez sua estreia na TV, disse que vinha ‘do planeta fome’. E vinha mesmo.! Enfrentou todas as dores de ser uma mulher preta no Brasil: preconceito, machismo, racismo, mas, de cabeça erguida, nunca vergou. Suportava a dor com seu cantou em todos os ritmos.


Em 1999, foi eleita pela Rádio BBC de Londres como a cantora brasileira do milênio. A escolha teve origem no projeto The Millennium Concerts, da rádio inglesa, criado para comemorar a chegada do ano 2000.

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Elza Soares durante o IV Festival de Musica Popular Brasileira,TV Record, São Paulo, em 10/12/1969


Elza se reinventou várias vezes durante sua vida. E em cada renascimento surgia magnífica. Foi uma mulher genial e de muito valor. A artista teve uma vida intensa que emocionou o mundo com sua força, coragem e voz.


A artista possui um papel gigantesco na cultura brasileira, que vai muito além dos ritmos musicais, está enraizado na cultura popular, algo que ela conquistou com méritos.


Nos últimos anos, o trabalho de Elza Soares foi pautado pela resistência feminista, antirracista e anti-homofóbica. O disco Deus É Mulher, de 2018, tornou explícita a militância feminina, mas a luta teve início em 1961 com ‘A bossa negra’, ‘Somos todos iguais’ em 1985, e ‘Maria da Vila Matilde’ (Porque se a da Penha é Brava, imagina a da Vila Matilde)” (2015), um ataque frontal à violência feminicida: “Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim”.

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Elza Soares com Taís Araújo e Lázaro Ramos durante gravação de ‘Mister Brau’ em 2016


A cantora lançou 34 discos, o mais recente deles em 2019, intitulado “Planeta Fome”, e tinha prevista uma agenda de shows para fevereiro. As palavras de ordem de Elza jamais são proferidas da boca para fora e vêm emolduradas por um dos maiores vozeirões da história da música brasileira.

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Elza Soares é homenageada pelos principais jornais brasileiros


Nascida na favela de Moça Bonita, no bairro de Padre Miguel, Rio de Janeiro, Elza Gomes da Conceição, não teve infância. Aos 12 anos estava casada e quando completou 21 anos ficou viúva com seis filhos. Duas das crianças morreram de fome. Essa tragédia ecoaria numa das primeiras oportunidades que teve de se apresentar ao vivo, no programa Calouros em desfile, do mestre Ary Barroso, autor de “Aquarela do Brasil”. Mal-ajambrada em uma roupa simples e bem maior que seu corpo, Elza assustou Ary, que perguntou: “De que planeta você vem?”. E ela respondeu: “Do planeta fome”, calando os risos de deboche da plateia pela sua condição. O espanto se repetiu quando começou a cantar, mas dessa vez por causa da voz que explodiu ao microfone.


No início dos anos 1960, quando já era sucesso, Elza conheceu o jogador Garrincha, que era legalmente casado e tinha nove filhas. O romance ganhou ares de escândalo, e Elza, emaranhada nas artimanhas mercadológicas da gravadora Odeon, gravou o dramalhão explícito “Eu sou a outra”, de versos como “ele é casado/ e eu sou a outra na vida dele/ (…) eu sou a outra que o mundo difama/ que a vida ingrata maltrata/ e sem dó cobre de lama”. A cantora foi execrada pela opinião pública, e o casal acabou por se exilar em Roma, na Itália. Garrincha já vivia as consequências do alcoolismo, que o mataria em 1983, aos 39 anos.

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Elza Soares e Caetano Veloso


De volta ao Brasil e sem o contrato com a Odeon, Elza abandonou o samba-jazz que a caracterizava até então, e com apoio da gravadora Tapecar, tentou se moldar às referências de terreiro e candomblé trazidas por Clara Nunes, em discos como o africaníssimo Elza Soares (1974), sem grande sucesso.

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Elza Soares durante gravações do programa ‘Alerta Geral’


Após a morte de Garrincha e à deriva no meio musical, Elza foi acolhida por Caetano Veloso numa participação especial e abrasiva na canção “Língua” (1984), que abriu caminho para a volta por cima do álbum Somos Todos Iguais (1985). Ali, pela primeira vez, ela teve a liberdade de experimentar e misturar, sem pudores ou purismos, gêneros como samba, jazz, blues e o rock’n’roll de Cazuza. Era tempo do estouro pop de Tina Turner, e Elza foi alçada à versão brasileira da estrela estadunidense, com as pernas à mostra e uma vasta peruca de inspiração black power. O novo voo foi abatido pela morte do único filho que teve com Garrincha, num acidente automobilístico, aos 9 anos, em 1986.


Elza Soares era a representante da resistência e resiliência de seu povo. A ativista do Amor por todo caminhar de sua existência. Estaremos sempre a reverenciar sua importância na história de nosso país.

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Elza Soares durante entrevista a Jô Soares em setembro de 2015


Nossa solidariedade aos familiares, amigos e fãs. Descanse em paz, guerreira Elza, a maior entre as maiores cantoras brasileiras.

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Elza Soares – ativista do Amor por todo caminhar de sua existência


Elza Soares será velada no Theatro Municipal do Rio nesta sexta-feira, dia 21 de janeiro. A cerimônia será aberta ao público das 10h às 14h. Depois, o traslado com o corpo da cantora será feito em carro dos Bombeiros até o cemitério Jardim da Saudade Sulacap, que também fará também uma homenagem à cantora na capela VIP, e o sepultamento será no setor do Cristo Redentor, previsto para às 16h.

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Elza Soares durante gravações do programa ‘Saudade Não Tem Idade’, em 1978

A cantora que deu voz ao povo negro, às mulheres violentadas e à comunidade LGBTQIA+,que rompeu limites, retorna à casa do Grande Arquiteto do Universo.

Fotos: Reprodução Instagram da artista, Tata Barreto/Globo, Acervo Grupo Globo e Arquivo /ESTADÃO CONTEÚDO/AE