Léa Garcia: uma das maiores expoentes da cultura afro-brasileira morre antes de receber o troféu Oscarito, em Gramado

A atriz Léa Garcia morreu nesta terça-feira, dia 15 de agosto, aos 90 anos, na cidade de Gramado, no Rio Grande do Sul, onde iria receber o Troféu Oscarito, na noite de hoje durante a 51ª edição do Festival de Cinema de Gramado.
Ela estava na cidade desde o dia 12, acompanhada do filho, Marcelo Garcia, e circulava diariamente pelo evento, onde acompanhou diversas sessões no Palácio dos Festivais. No Tapete Vermelho recebeu o carinho dos fãs e durante as sessões dos filmes “Retratos Fantasmas” e “Tia Virginia”, Léa recebeu os aplausos dos curadores do Festival Marcos Santuário e Caio Blat.

Dona Léa Garcia é mais que uma grande estrela brasileira, ela foi um verdadeiro farol para muitas gerações de meninas e mulheres negras. Uma eterna fonte de orgulho para o Brasil. Dedicou sua arte a causa antirracista. Uma musa inspiradora, pioneira da força e da potência da mulher, que deixa o Brasil de luto.
Artistas e políticos lamentaram a morte da consagrada atriz e enalteceram o talento, a vitalidade, a força e o talento inspirador da extraordinária Léa Garcia, em suas redes sociais.

Um dos depoimentos mais significativos foi da atriz Taís Araújo. “Não sei muito bem o que dizer. Na verdade tô com dificuldade de falar de dona Lea no verbo passado. É que pra mim ela é. Ver dona Léa no alto dos seus 90 anos trabalhando, escrevendo, sendo homenageada e reverenciada como ela merece era… era fortalecedor, confortante, de dar fôlego. Dona Lea se foi. E lá se vai uma RAINHA. Perseverante, leve como uma pluma, cheia de bom humor, sábia com palavras doces e certeiras, firme sem nunca perder a ternura. Eu te agradeço Léa. Agradeço por cada passo, por cada abraço, cada gargalhada, cada palavra de apoio, cada olhar acolhedor. E te prometo seguir. Celebro sua existência e te honro, minha ancestral. Ela é. Ela foi. Ela sempre será. Vai em paz, dona Lea. Obrigada! Obrigada e obrigada. Por tudo. Descanse em poder”.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva lamentou a morte e declarou: ” Léa Garcia foi uma grande atriz e uma pioneira no enfrentamento do racismo e na abertura de espaços para atrizes negras na televisão e no cinema. E, de forma marcante, impactou nossa cultura, ao interpretar a grande vilã Rosa no clássico “Escrava Isaura” e ao ser indicada ao prêmio de melhor interpretação feminina no Festival de Cannes por Orfeu Negro”, disse Lula no Twitter.
A veterana atriz de 90 anos detinha uma célebre trajetória no cinema, teatro e televisão, com mais de cem produções. Em sua última entrevista ela falou sobre a felicidade de participar do evento de 2023 e de receber um prêmio pelo conjunto de sua obra. “É o reconhecimento da minha trajetória artística. Muito importante esse ano aqui… Estamos premiando, reverenciando o protagonismo da mulher”, disse Léa.


A atriz também falou por que gosta tanto do Festival e relembrou um momento importante de sua vida: “O Festival de Cinema de Gramado é o nosso Oscar, é o melhor festival do Brasil. O dia em que fiquei muito emocionada foi quando recebi o meu primeiro Kikito, não esperava. Então, cada vez que eu venho, sou recebida com essa receptividade (…) Reconheço a importância do festival como resistência, dando continuidade aos protagonistas da cultura e as pessoas interessadas no cinema”.
Léa Garcia possui uma história antiga e próspera no Festival de Gramado. Ela já conquistou quatro Kikitos com Filhas do Vento, Hoje tem Ragu e Acalanto.
Ao lado de nomes como Ruth de Souza e Zezé Motta, Léa Garcia foi uma das primeiras atrizes negras da televisão brasileira, e uma das maiores expoentes da cultura afro-brasileira. A atriz estava em Gramado desde o fim de semana, acompanhada do filho, Marcelo Garcia, e assistiu a sessões dos filmes “Retratos Fantasmas” e “Tia Virginia”.

Ao longo de mais de 70 anos de carreira a atriz tem no currículo mais de 100 produções, incluindo cinema, teatro e televisão, e continuava no pleno exercício da profissão. Com uma célebre trajetória nas artes, foi indicada ao prêmio de melhor interpretação feminina no Festival de Cannes em 1957 por sua atuação no filme Orfeu Negro que, em 1960, ganharia o Oscar de melhor filme estrangeiro, representando a França.
Dona Léa seguia ativa nas artes cênicas. Em 2022, atuou nos longas Barba, Cabelo e Bigode, Pacificado e O Pai da Rita. Ontem, dia 14, havia confirmado negociações com a TV Globo para atuar no remake da novela Renascer.Os planos terrenos foram interrompidos pelo Universo que levou a grande e incomparável estrela. Uma atriz brilhante, inteligente e generosa. Uma das Divas Negras do Cinema Brasileiro.
O anúncio do falecimento da Diva do cinema e da televisão, uma grande atriz e grande mulher, foi feito nas redes sociais da atriz. Segundo o filho e empresário de Léa, Marcelo Garcia, ela teve um infarto. Ela faleceu como a grande estrela que foi: sendo homenageada no Festival de Cinema de Gramado.

Caio Blat, um dos curadores do festival, relembrou os últimos momentos da atriz. ” Estou em choque, ela estava animadíssima na sessão de “Tia Virgínia” [no domingo à noite], comentando todas as cenas. Ao mesmo tempo, é uma despedida de cinema, sendo ovacionada e homenageada. Acho que os gigantes da nossa profissão gostam de partir em movimento. Gostam de viver o cinema até o último instante. Ela é imortal, inesquecível, abriu caminhos, precursora da representatividade que hoje ainda se busca“.
Léa Lucas Garcia de Aguiar


Nascida na Praça Mauá, no Rio de Janeiro, em 1933, a atriz teve extensa carreira em teatro, cinema e televisão, e desenvolveu consciência político-racial que perpassa sua atuação artística com uma postura questionadora sobre o lugar do negro na sociedade e na arte.
Um de seus papéis de destaque no teatro foi com Orfeu da Conceição (1956), de Vinicius de Moraes, como Mira, no início de sua carreira. Ensaiando com o próprio autor, apresentou o espetáculo no Teatro Municipal do Rio de Janeiro.
Na televisão, sua estreia se deu em 1950 no Grande Teatro da TV Tupi. Participou de produções como Vendem-se Terrenos no Céu (1963), Assim na Terra como no Céu (1970), Doce Namorada (1971), Os Ossos do Barão (1973), A Moreninha (1975), Escrava Isaura (1976), seu maior sucesso, entre outras.
Recentemente, ela estava em negociação para reviver a personagem Chica Xavier no remake da novela Renascer, segundo informações do jornal O Globo. A artista esteve em cartaz nos palcos de São Paulo no final do ano passado ao lado de Emiliano Queiroz. Os dois apresentaram o espetáculo A Vida Não é Justa, dirigida por Tonico Pereira, no Sesc Santana.

Neste ano, Léa havia participado do lançamento da biografia Entre Mira, Serafina, Rosa e Tia Neguita: a trajetória e o protagonismo de Léa Garcia, escrita por Julio Claudio da Silva. Nascida em 11 de março de 1933 no Rio de Janeiro, a atriz teve grande importância ao coroar o espaço de artistas negros na dramaturgia brasileira.

Fotos: Cleiton Thiele/Agência Pressphoto, Wikipedia/Arquivo Nacional e Reprodução/Instagram